Significado de Devaneio: 1. Estado de espírito de quem se deixa levar por lembranças, sonhos e imagens; 2. Quimeras, fantasias, ficções.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

"Eterno, é tudo aquilo que dura uma fração de segundo,
mas com tamanha intensidade, que se petrifica,
e nenhuma força jamais o resgata..."

Carlos Drummond de Andrade

"Somos limitados por tudo o que não sentimos."

Natalie Clifford Barney
"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
que, para ouvi-las, muita vez desperto
e abro as janelas, pálido de espanto...
...e conversamos toda a noite, enquanto
a via láctea, como um pálio aberto,
cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
inda as procuro pelo céu deserto.
direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
tem o que dizem, quando estão contigo?"
E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
capaz de ouvir e de entender estrelas."(Olavo Bilac)
...um novo dia bom a cada segundo eterno,
conspirações para roubar sorrisos de rostos tristes,
luz engarrafada de estrelas que dormindo caem da cama,
e vem cadentes para nos dar desejos...
...claro, vóz de fada para encantar e dançar a alma...
...coisas de devaneio, esse ponto no tempo que é nosso,
pode ser produção de cores para pintar,
e colorir tudo o mais, que nos é sentido, rodeado e inspirado...

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Quero escrever o borrão vermelho de sangue




Quero escrever o borrão vermelho de sangue
com as gotas e coágulos pingando
de dentro para dentro.
Quero escrever amarelo-ouro
com raios de translucidez.
Que não me entendam
pouco-se-me-dá.
Nada tenho a perder.
Jogo tudo na violência
que sempre me povoou,
o grito áspero e agudo e prolongado,
o grito que eu,
por falso respeito humano,
não dei.

Mas aqui vai o meu berro
me rasgando as profundas entranhas
de onde brota o estertor ambicionado.
Quero abarcar o mundo
com o terremoto causado pelo grito.
O clímax de minha vida será a morte.

Quero escrever noções
sem o uso abusivo da palavra.
Só me resta ficar nua:
nada tenho mais a perder.

O Sonho acordado é que é a realidade


A última palavra será a quarta dimensão.
Comprimento: ela falando
Largura: atrás do pensamento
Profundidade: eu falando dela, dos fatos e sentimentos
e de seu atrás do pensamento.

Eu tenho que ser legível quase no escuro.

Tive um sonho nítido inexplicável: sonhei que brin­cava com o meu reflexo. Mas meu reflexo não estava num espelho, mas refletia uma outra pessoa que não eu.

Por causa desse sonho é que inventei Ângela como meu reflexo? Tudo é real mas se move va-ga-ro-sa-men-te em câmara lenta. Ou pula de um tema a outro, desconexo. Se me desenraízo fico de raiz exposta ao vento e à chuva. Friável. E não como o granito azu­lado e pedra de Iansã sem fenda nem frincha. Ângela por enquanto tem uma tarja sobre o rosto que lhe es­conde a identidade.
[...]
Só me interessa escrever quando eu me surpreendo com o que escrevo. Eu prescindo da realidade porque posso ter tudo através do pensamento.

A realidade não me surpreende. Mas não é ver­dade: de repente tenho uma tal fome da "coisa acon­tecer mesmo" que mordo num grito a realidade com os dentes dilacerantes. E depois suspiro sobre a presa cuja carne comi. E por muito tempo, de novo, pres­cindo da realidade real e me aconchego em viver da imaginação.

Trecho da obra: "Um sopro de vida"

Entendi então que, de qualquer modo, viver é uma grande bondade para com os outros. Basta viver, e por si mesmo isto resulta na grande bondade. Quem vive totalmente está vivendo para os outros, quem vive a própria largueza está fazendo uma dádiva, mesmo que sua vida se passe dentro da incomunicabilidade de uma cela. Viver é dádiva tão grande que milhares de pessoas se beneficiam com cada vida vivida.

[...]
E é inútil procurar encurtar caminho e querer começar já sabendo que a voz diz pouco, já começando por ser despessoal. Pois existe a trajetória, e a trajetória não é apenas um modo de ir. A trajetória somos nós mesmos. Em matéria de viver, nunca se pode chegar antes. A via-crucis não é um descaminho, é a passagem única, não se chega senão através dela e com ela. A insistência é o nosso esforço, a desistência é o prêmio. A este só se chega quando se experimentou o poder de construir, e, apesar do gosto de poder, prefere-se a desistência. A desistência tem que ser uma escolha. Desistir é a escolha mais sagrada de uma vida. Desistir é o verdadeiro instante humano. E só esta é a glória própria de minha condição.
A desistência é uma revelação.

Trecho da obra: "A paixão segundo G.H."

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

O bardo imortal


- Oh, sim - disse o Dr. Phineas Welch - posso trazer de volta o espírito dos mortos ilustres.
Estava um pouco ébrio, ou talvez não o dissesse. Era naturalmente aceitável embriagar-se um pouco na festa anual do Natal. Scott Robertson, o jovem instrutor de inglês da escola, ajustou os óculos no nariz e olhou à direita e esquerda para ver se tinham sido ouvidos por outras pessoas.
- Francamente, Dr. Welch.
- Falo sério. E não apenas os espíritos. Trago também os corpos de volta.
- Eu não diria que fosse possível - retorquiu Robertson, empertigado.
- E por que não? É uma simples questão de transferência temporal.
- Refere-se à viagem no tempo? Mas isso é... bem, é bem invulgar.
- Não é, se você souber como.
- Bem, como, Dr. Welch?
- Acha que vou lhe contar? - perguntou o físico em tom grave.Olhou vagamente ao redor procurando outra bebida e não encontrou bebida alguma. Disse, então:
- Eu já trouxe um bom número de volta. Arquimedes, Newton, Galileu. Pobres sujeitos.
- Eles gostaram daqui? Seria de crer que ficassem encantados com a nossa ciência moderna - disse Robertson, a quem a conversa começara a agradar.
- Oh, ficaram. Principalmente o Arquimedes. Pensei que ele ia enlouquecer de alegria, de inicio, depois de lhe ter explicado um pouco da coisa em algum grego que eu havia escovado, mas não...não...
- O que houve?
- Uma questão de cultura diferente. Eles não se acostumaram, ao nosso modo de viver. Ficaram muitíssimo solitários e assustados. Tive de mandá-los de volta.
- Uma pena.
- Pois é. Grandes espíritos, mas não tinham mentes flexíveis.Não eram universais. Por isso tentei Shakespeare.
- O quê? - berrou Robertson. Aquilo estava chegando mais perto, agora.
- Não grite, rapaz - disse Welch. - É falta de educação.
- O senhor disse que trouxe Shakespeare de volta?
- Trouxe, sim. Precisava de alguém com espírito universal, alguém que conhecesse as pessoas o bastante para poder viver com elas a séculos de distância de sua própria época. Shakespeare era esse homem. E apanhei a assinatura dele. Como lembrança, sabe?
- Está com ela? - indagou Robertson, os olhos a se esbugalharem.
- Bem aqui - e Welch vasculhava um bolso do capote, logo outro.
- Ah, aqui está.
Um pequeno pedaço de cartolina foi passado ao instrutor. A um lado achava-se escrito: "L. Klein & Sons, Ferragens por Atacado". No outro lado, em escrita garatujada, via-se "William Shakespeare".Uma desconfiança tresloucada apoderou-se de Robertson.
- Qual era o aspecto dele?
- Diferente das imagens que se apresentam por aí. Calvo e com bigode muito feio. Falava em sotaque forte. Está claro que fiz o possível para agradá-lo com nossa época. Contei-lhe que tínhamos a melhor das opiniões sobre suas peças e ainda as representávamos. Na verdade disse que em minha opinião eram as maiores obras da literatura na língua inglesa, talvez em qualquer idioma.
- Ótimo. Ótimo - concordou Robertson, quase incapaz de respirar.
- Eu disse que as pessoas haviam escrito livros e mais livros de comentários sobre as peças dele.
Ele quis ver um desses livros, naturalmente, e fui apanhá-lo na biblioteca.
- E depois?
- Oh, ele ficou encantado. Está claro que encontrou dificuldades com as expressões atuais e as referências a acontecimentos a partir de 1600, mas eu o ajudei. Pobre camarada. Não creio que tenha contado com tal tratamento. Não parava de dizer: "Que Deus tenha misericórdia! O que não arrancam das palavras em cinco séculos? Dá para arrancar, acredito, uma torrente de um pano molhado".
- Ele não diria uma coisa dessas.
- E por que não? Escreveu as peças tão depressa quanto pôde. Disse que tinha de fazê-lo, por causa dos prazos de entrega. Escreveu Hamlet em menos de seis meses. A trama era antiga, ele apenas lhe deu polimento.
- É tudo que fazem com o espelho de telescópio. Basta dar polimento - disse o instrutor de inglês, cheio de indignação. O físico não lhe deu atenção. Descobriu um copo cheio e intacto no bar, a alguns palmos de distância, e deslizou em sua direção.
- Eu disse ao bardo imortal que até dávamos cursos superiores sobre Shakespeare.
- Eu dou um,...
- Sei disso. Matriculei-o em seu curso noturno de extensão. Nunca vi homem tão aflito quanto o pobre Bill, por descobrir o que a posteridade pensava a seu respeito. Ele estudou como o diabo.
- O senhor matriculou William Shakespeare em meu curso? - murmurou Robertson.
Mesmo com fantasia alcoólica tal pensamento lhe causava estarrecimento. E era mesmo uma fantasia alcoólica? Começava a lembrar-se de um homem calvo, com o modo curioso de falar...
- Não sob o nome dele, está claro - explicou o Dr. Welch.
- Não importa o que ele passou. Foi um erro, só isso. Um grande erro. Pobre camarada.
Estava em posse do coquetel e sacudiu a cabeça para o copo.
- Por que foi um erro? O que lhe aconteceu?
- Tive de mandá-lo de volta a 1600 - trovejou Welch, agora indignado, por sua vez. - Até que ponto você acha que um homem agüenta a humilhação?
- E de que humilhação está falando? O Dr. Welch virou a bebida do copo.
- Ora, seu pobre imbecil, você o reprovou.

Bernardo é quase árvore.
Silêncio dele é tão alto que
os passarinhos ouvem de longe.
E vêm pousar em seu ombro.
Seu olho renova as tardes.
Guarda num velho baú seus
instrumentos de trabalho:
1 abridor de amanhecer
1 prego que farfalha
1 encolhedor de rios ― e
1 esticador de horizontes.
(Bernardo consegue esticar o horizonte usando três
fios de teias de aranha. A coisa fica bem esticada.)
Bernardo desregula a natureza:
Seu olho aumenta o poente.(Pode um homem
enriquecer a natureza com a sua incompletude?)

(Manoel de Barros)

Luz entre Sombras



É noite medonha e escura,
Muda como o passamento*
Uma só no firmamento
Trêmula estrela fulgura.

Fala aos ecos da espessura
A chorosa harpa do vento,
E num canto sonolento
Entre as árvores murmura.

Noite que assombra a memória,
Noite que os medos convida,
Erma, triste, merencória.

No entanto...minha alma olvida
Dor que se transforma em glória,
Morte que se rompe em vida.

Machado de Assis, in 'Falenas'

Vainamöinen

A forja do Sampo - Akseli Gallen-Kallela(imagem)

Mito Finlandês - Fontes: O livro ilustrado dos mitos, Neil Philip.
.
Marco zero - A criação do mundo
.
Há muito tempo esta lenda repousa no frio, esperando para ser cantada: a lenda de Vainamöinen, o eterno cantor. Era uma vez havia uma moça feita de ar, filha da natureza, que vivia nos céus vazios. Ela ficou aborrecida e desceu até o mar azul encrespado. O vento cresceu, as ondas ficaram mais ferozes. E o vento e as ondas juntos fizeram a moça-do-ar conceber uma criança, Vainamöinen.
Setecentos anos depois, ela ainda levava dentro de si o filho não nascido. Amargamente convocou o Velho, que segura o céu, para livrá-la das dores do parto. Um dia chegou um pato, voando aqui e dali, procurando o local para fazer um ninho. Pousou no joelho da moça-do-ar, que saía para fora da água. Lá construiu seu ninho e pôs sete ovos: seis de ouro e um de ferro.Quando os ovos chocaram, a moça-do-ar sentiu-se como se estivesse em fogo. Ela os sacudiu e eles quebraram quando caíram no mar. Dos ovos veio a mãe terra, e os céus, o sol, a lua, as estrelas e as nuvens. Passaram-se dez verões, a moça-do-ar fez as ilhas e o continente, mas seu filho ainda não nascera. Por outros trinta verões, Vainamöinen se perguntava sobre o que o aguardaria no mundo de sua mãe. Então pedindo ajuda do sol e da lua para ter força, abriu seu caminho para fora, e sua mãe, a moça-do-ar, voltou aos céus. Durante oito anos, o mar balançou Vainamöinen antes de que alcançasse a terra. A terra árida deu à luz um filho, Pellervoinen, a quem Vainamöinen pediu que semeasse a terras com árvores e flores. Quando as árvores se transformaram em florestas, ele pegou seu machado e limpou o terreno para plantar a primeira cevada, mas deixou um pé de bétula para os pássaros descansarem. Vainamöinen rezou à velha subterrânea para que ela nutrisse as sementes, e ao velho dos céus para que as regasse. E as colheitas cresceram. Então Vainamöinen desejou uma esposa e decidiu procurar uma nas terras do norte. Uma águia levou Vainamöinen através do mar, mas os ventos o maltrataram tanto que, quando ele chegou, estava tão exausto que só conseguia ficar deitado no chão e chorar de saudades de sua terras. Louhi, a senhora desdentada do norte, o escutou. “O que você me daria”, perguntou a bruxa, “para mandá-lo de volta para casa?”
Ele ofereceu seu ouro, sua prata, mas ela só queria uma coisa. “Eu o levarei de volta para sua terra, onde o pássaro cuco canta, se você forjar o Sampo, o moinho da abundância. Faça-o a partir de uma pena de ganso e do leite de uma vaca, de um grão de cevada e da lã de uma ovelha. Eu lhe darei minha bela filha em troca.”“Eu não posso forjar o Sampo”, disse Vainamöinen, “mas Ilmarinen, o ferreiro, pode. “Vainamöinen convocou um vento para que trouxesse ilmarinen, o ferreiro, para as terras do Norte, para que ele pudesse forjar o Sampo mágico. Durante três dias Ilmarinen trabalhou em sua forja. Ele martelou e modelou, até fazer o Sampo. De um lado tinha um moinho de milho, no segundo, um moinho de sal, e no terceiro, um moinho de dinheiro. A bruxa Louhi ficou satisfeita com seu trabalho. Ela trancou o Sampo sob sete chaves e o enraizou na terra com sua mágica, mas mandou Ilmarinen de volta para casa pelo mar, em navio de cobre, sem sua filha. Decididos a se vingarem de Louhi, Ilmarinen e Vainamöinen planejaram roubar o Sampo. Lemminkainen, um jovem amigo talentoso, voltou ao Norte com eles. Vainamöinen tocou música suave em seu kantele para fazer Louhi dormir, e Ilmarinen esfregou manteiga nas nove chaves para facilitar sua abertura. Lenminkainen tentou, então, puxar o Sampo, mas suas raízes mágicas não cederam. Ele tomou emprestado um boi do Norte e um arado, cortou as raízes do Sampo e o levou consigo. Quando os três companheiros navegavam para casa, Lenminkainen começou a cantar uma canção de triunfo, Louhi despertou, e mandou sua filha da névoa envolver o navio na neblina. Mas Vainamöinen abriu caminho pela neblina com sua espada brilhante. Louhi convocou uma baleia monstruosa das profundezas, mas Vainamöinen cantou e a fez mergulhar novamente, então Louhi convocou o velho dos céus para mandar uma tempestade. Enquanto o navio de Vainamöinen lutava no mar encrespado, Louhi chegou em um barco cheio de homens vingativos, mas Vainamöinen jogou no mar um pedaço de madeira que se transformou num recife submerso, e o navio de Louhi afundou. Louhi amarrou foices em seus pés para funcionarem como garras, amarrou madeira de seu navio naufragado a seus braços para que virassem asas e, usando o leme do navio como cauda, transformou-se em uma mulher-pássaro, uma poderosa águia. Ela voou atrás de Vainamöinen e pousou no mastro de seu navio. Vainamöinen gritou: “Senhora do Norte, não compartilhará o Sampo conosco?”“Nunca”, ela gritou. Vainamöinen a atacou com um remo, derrubando-a do mastro. Mas quando ela caía, agarrou o Sampo e o arrastou consigo. Louhi e o Sampo caíram na água e o Sampo quebrou-se em pedaços. O moinho de milho e o de dinheiro se despedaçaram. Louhi ficou com um pedaço - a herança vazia do gélido Norte. Vainamöinen agarrou os outros pedaços para enriquecer a terra da Finlândia. Mas o moinho de sal ainda repousa no fundo do mar, moendo sal até o final dos tempos.
A defesa do Sampo - Akseli Gallen-Kallela(imagem)

domingo, 24 de janeiro de 2010

Chorar e Rir


E enquanto uma chora, outra ri; é a lei do mundo, meu rico senhor;
é a perfeição universal.
Tudo chorando seria monótono, tudo rindo, cansativo;
mas uma boa distribuição de lágrimas e polcas,
soluços e sarabandas,
acaba por trazer à alma do mundo a variedade necessária,
e faz-se o equilíbrio da vida.


Machado de Assis, in "Quincas Borba"
Quando a Vó me recebeu nas férias, ela me apresentou aos amigos:
Este é meu neto. Ele foi estudar no Rio e voltou de ateu.
Ela disse que eu voltei de ateu. Aquela preposição deslocada me fantasiava de ateu.
Como quem dissesse no Carnaval: aquele menino está fantasiado de palhaço.
Minha avó entendia de regências verbais. Ela falava de sério. Mas todo-mundo riu.
Porque aquela preposição deslocada podia fazer de uma informação um chiste.
E fez. E mais: eu acho que buscar a beleza nas palavras é uma solenidade de amor.
E pode ser instrumento de rir. De outra feita, no meio da pelada um menino gritou:
Disilimina esse, Cabeludinho. Eu não disiliminei ninguém.
Mas aquele verbo novo trouxe um perfume de poesia à nossa quadra.
Aprendi nessas férias a brincar de palavras mais do que trabalhar com elas.
Comecei a não gostar de palavra engavetada. Aquela que não pode mudar de lugar.
Aprendi a gostar mais das palavras pelo que elas entoam do que pelo que elas informam.
Por depois ouvi um vaqueiro a cantar com saudade:
Ai morena, não me escreve / que eu não sei a ler. Aquele "a" preposto ao verbo ler,
ao meu ouvir, ampliava a solidão do vaqueiro.

(Manoel de Barros)

Pontos de Vista

Na minha infância, quando eu me excedia,
quando eu fazia alguma coisa errada,
se alguém ralhava, minha mãe dizia:
-Ele é criança , não entende nada!
Por dentro, eu ria satisfeito e mudo.
Eu era um homem, entendia tudo.
Hoje que escrevo histórias e poemas
e pareço ter tido algum estudo,
dizem quando me vêem com meus problemas:
-Ele é um homem, ele entende tudo!
Por dentro, alma confusa e atarantada,
eu sou uma criança, não entendo nada!(Giuseppe Ghiaroni)

sábado, 23 de janeiro de 2010

Pântanos da tristeza - Fantasia

Atreyu-Você é Moorla, o ancião?
Moorla-~yawnhhh~ Não que isso importe, mas sim.
Atreyu-Por favor, me ajude Moorla. Você reconhece isso?
Moorla- Bem...nós não vemos o Auryn há muito, muito tempo.
Atreyu-"Nós"??...temais mais alguém aqui?
Moorla-Nós não conversamos com ninguém durante milhares de anos. Então começamos a falar com nós próprios...~aahhhh...tchooo...~
Atreyu-Moorla!!...trago notícias terríveis. Você soube que a Imperatriz está doente?
Moorla-Não que isso importe, mas sim...na verdade nós não nos importamos.
Atreyu- Se eu não salvá-la, ela vai morrer. Há um "Nada" terrível varrendo "Tudo". Você não se importa com isso?
Moorla- Nós nem nos importamos se nos importamos ou não...~aahhhh...~
Atreyu-Você esta resfriado?
Moorla-Não. Somos alérgicos a juventude...~aahhhh...tchooo...~
Atreyu-Sabe como ajudar a Imperatriz, não é?
Moorla-Não que isso importe, mas sim.
Atreyu-Se não me contar, e o "Nada" continuar, você também vai morrer. "Vocês dois".
Moorla-Morrer??...isso pelo menos seria alguma coisa...~aahhhh...aahhhh...~
Atreyu-Por favor, me ajude, você disse que sabia a resposta.
Moorla-~aahhhh...tchooo...~...estamos cansados de espirrar, vá embora. Nada importa.(Michael Ende)

Imagem: Gregory Colbert
Se as palavras adquirem uma delineação musical,
um coração, então terá uma expressão poética.
Um pensamento musical é aquele que é proferido
por um espírito que penetrou no mais íntimo
coração das coisas; descobrindo o seu mais íntimo
mistério, a melodia que jaz oculta nelas. Todas as
coisas íntimas são melodiosas; exprimem-se
naturalmente em canto. Poesia é uma espécie de
fala inarticulada e insondável, que nos leva à
borda do infinito e nos deixa por momentos
a olhar para dentro dele.
(Thomas Carlyle)

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

...quando tiveres um tempo com fadas,

saborei-o como um sabor sem descrição,

para ser eterno, eterna busca da descrição...

...ouça-as bem, pois que,

falam do que sentem(ponto)

...quero-te sentir...
...como um gatinho em seu colo...
...ronrronando...
...sonhando...
...voando...caracolando-me...
...em suas estrelas...
...cavaleira selene...
...plantando margaridas em seus olhos...
...meus campos...correndo livre...rolando em relva...
 Imagem: Salvador Dalí (The Persistence of Memory - 1931 - Oil on canvas, 24,1 x 33 cm)
(...)
A voz de meu avô arfa.
Estava com um livro debaixo dos olhos.
Vô! o livros está de cabeça pra baixo.
Estou deslendo.
(...)
Hoje o Lara morreu picado de cobra.
Fizeram seu caixão de costaneiras.
Meu avô encostou no caixão.
Ué, eu que morri e quem está no caixão é o Lara!
Meu avô enxergava mal.

(Manoel de Barros)

Menino luz e o vazio

Eu e o silêncio(imagem)
Em algum canto do universo
um menino sentou-se sobre a boca do vazio;
admirou a textura dos teus lábios nunca testados
e respirou o hálito mais puro dos eucaliptos.
Mergulho sua cabeça na escuridão...
No carinho do infinito e temporal sem vento...
E do nada ainda mais! Seus olhos no silêncio.
E no leito o lenço que cobria o rosto descobriu-se o sozinho.
Gritou! Fica comigo... Fica comigo...
Nada respondeu e o próprio menino entendeu...
O que faço eu? Tirando do vazio seu único amigo?
O silêncio continuou por uma vasta eternidade,
até que o sentar-se ficou de pé,
aprontou o que não tinha, nem idade...
Foi-se embora a luz que conhece seu tudo,
da liberdade que nada teme.(Hades Pierrot)

Nebulosa da Águia, pilares de criação - No essêncial, está mostrando o nascimento de estrelas.

Diante da vastidão do tempo e

da imensidão do universo,

é um imenso prazer para mim,

dividir um planeta e uma época com você.(Carl Sagan)

(A estrela, designada V838 Mon da constelação de Monoceros, tornou-se subitamente 600 000 vezes mais brilhante que o Sol, ganhando o estatuto de uma das estrelas mais brilhantes da nossa galáxia, para depois desaparecer em Abril de 2002.)

Quando você for se embora,
moça branca como a neve,
me leve.
Se acaso você não possa
me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração.
Se no coração não possa
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar.
E se aí também não possa
por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento.

(Ferreira Gullar)

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010


Quem tentar possuir uma flor, verá sua beleza murchando.
Mas quem apenas olhar uma flor num campo,
permanecerá para sempre com ela.
Você nunca será minha e por isso terei você para sempre.

Foto: Guy Bourdin
"Não existe nada de completamente errado no mundo,
mesmo um relógio parado, consegue estar certo duas vezes por dia."

"O amor não é um hábito, um compromisso, ou uma divida.
Não é aquilo que nos ensinam as músicas romanticas,
o amor é indefinições.
Ame e não pergunte muito. Apenas ame."

Me adora



Tantas decepções eu já vivi

Aquela foi de longe a mais cruel
Um silêncio profundo e declarei:
"Só não desonre o meu nome"

Você que nem me ouve até o fim
Injustamente julga por prazer
Cuidado quando for falar de mim
E não desonre o meu nome

Será que eu já posso enlouquecer?
Ou devo apenas sorrir?
Não sei mais o que eu tenho que fazer
Pra você admitir

Que você me adora
Que me acha foda
Não espere eu ir embora pra perceber
Que você me adora
Que me acha foda
Não espere eu ir embora pra perceber

Perceba que não tem como saber
São só os seus palpites na sua mão
Sou mais do que o seu olho pode ver
Então não desonre o meu nome

Não importa se eu não sou o que você quer
Não é minha culpa a sua projeção
Aceito a apatia, se vier
Mas não desonre o meu nome.

Na sua estante


Te vejo errando e isso não é pecado,
Exceto quando faz outra pessoa sangrar,
Te vejo sonhando e isso dá medo,
Perdido num mundo que não dá pra entrar
Você está saindo da minha vida
E parece que vai demorar
Se não souber voltar, ao menos mande notícias
Você acha que eu sou louca
Mas tudo vai se encaixar

Tô aproveitando cada segundo
Antes que isso aqui vire uma tragédia

 E não adianta nem me procurar
Em outros timbres, outros risos
Eu estava aqui o tempo todo
Só você não viu

Você tá sempre indo e vindo, tudo bem
Dessa vez eu já vesti minha armadura
E mesmo que nada funcione
Eu estarei de pé, de queixo erguido
Depois você me vê vermelha e acha graça
Mas eu não ficaria bem na sua estante

Só por hoje não quero mais te ver,
só por hoje não vou tomar minha dose de você
Cansei de chorar feridas que não se fecham, não se curam
E essa abstinência uma hora vai passar.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Limitado mas Completo


O indivíduo mais limitado pode ser completo, se se move dentro das fronteiras das suas capacidades e das suas disposições pessoais. Pelo contrário, acontece que aquilo que noutros são qualidades incomparáveis, podem ser obscurecidas, apagadas ou mesmo aniquiladas, se se desfaz aquele equilíbrio imprescindível. E este mal há-de tornar-se ainda mais evidente nos tempos modernos; pois quem será capaz de satisfazer as exigências de um presente que não pára de crescer e que aliás cresce cada vez mais depressa?


Johann Wolfgang von Goethe, in "Máximas e Reflexões"

"Se um homem marcha com um passo
diferente do dos seus companheiros,
é porque ouve outro tambor."

Henri David Thoreau

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Não Há Amor Suficiente

Não há amor
(Não, não o suficiente)
Vivemos sem auxílio,
Morremos sozinhos.

O recurso à comiseração
Ressoa no vazio,
Os nossos corpos estão estropiados
Mas a carne continua ávida.

Desaparecidas as promessas
De um corpo adolescente,
Entramos na velhice
Onde nada nos espera

Resta a memória vã
Dos dias desaparecidos,
Um sobressalto de aversão
E o desespero despido.

Michel Houellebecq, in "A Possibilidade de uma Ilha"

Diz Toda a Verdade


Diz toda a Verdade mas di-la tendenciosamente -
O êxito está no Circuito
É demasiado brilhante para o nosso enfermo Prazer
A esplêndida surpresa da Verdade

Como o Relâmpago se torna mais fácil para as Crianças
Com uma amável explicação
A Verdade deve ofuscar gradualmente
Ou cada homem ficará cego -

Emily Dickinson, in "Poemas e Cartas"
Tradução de Nuno Júdice

Alma Serena


Alma serena, a consciência pura,
assim eu quero a vida que me resta.
Saudade não é dor nem amargura,
dilui-se ao longe a derradeira festa.

Não me tentam as rotas da aventura,
agora sei que a minha estrada é esta:
difícil de subir, áspera e dura,
mas branca a urze, de oiro puro a giesta.

Assim meu canto fácil de entender,
como chuva a cair, planta a nascer,
como raiz na terra, água corrente.

Tão fácil o difícil verso obscuro!
Eu não canto, porém, atrás dum muro,
eu canto ao sol e para toda a gente.

Fernanda de Castro, in "Ronda das Horas Lentas"

Já não Vivo, Só Penso

Já não vivo, só penso. E o pensamento
é uma teia confusa, complicada,
uma renda subtil feita de nada:
de nuvens, de crepúsculos, de vento.

Tudo é silêncio. O arco-íris é cinzento,
e eu cada vez mais vaga, mais alheada.
Percorro o céu e a terra aqui sentada,
sem uma voz, um olhar, um movimento.

Terei morrido já sem o saber?
Seria bom mas não, não pode ser,
ainda me sinto presa por mil laços,

ainda sinto na pele o sol e a lua,
ouço a chuva cair na minha rua,
e a vida ainda me aperta nos seus braços.

Fernanda de Castro, in "E Eu, Saudosa, Saudosa"

Se Tudo quanto Existe...



Se tudo quanto existe
é lenta evolução,
longa transformação
sem Deus e sem mistério;
se tudo no Universo tem sentido
sem o sopro divino;
se o segredo da vida, a criação,
se explica pela ciência,
e a corrente vital
é também consequência;
se a humana consciência
é simples equação...
— que significa a vocação do eterno,
que quer dizer a aspiração do Céu
e o terror do inferno?

E se acaso é o instinto a lei da vida,
se a verdade
é só necessidade
inexorável, lenta, laboriosa,

que sábia explicação
tem esta frágil, esta inútil rosa?

Fernanda de Castro, in "Asa do Espaço"

Onde o Homem não Chega


Onde o Homem não chega tudo é puro,
dessa pureza da primeira infância.
Tudo é medida, ritmo, concordância,
tudo é claro e auroral: a noite, o escuro.

E nem o vendaval é dissonância
mas promessa de sol e de futuro.
Quem levantou esse primeiro Muro
que do perto fez longe, ergueu distância?

Foi o Homem, com suas mãos de barro,
com suas mãos perjuras, fel e sarro
de inútil sofrimento e vil prazer.

Não é tarde, porém: sacode a lama,
ergue o facho, levanta a Deus a chama
e recomeça: acabas de nascer.

Fernanda de Castro, in "Ronda das Horas Lentas"

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010


Conhecer alguém aqui e ali

que pensa e sente como nós,

e que embora distante,

está perto em espírito.

Eis o que faz da Terra

um jardim habitado.(Goethe)

Imagem: Salvador Dalí (The Chemist of Ampurdan in Search of Absolutely Nothing 1936)

Para apalpar as intimidades do mundo
é preciso saber:
- que o esplendor da manhã não se abre com faca.
- como pegar na voz de um peixe.
- qual o lado da noite que umedece primeiro.
Desaprender oito horas por dia
ensina os princípios.
Desinventar objetos.
Usar algumas palavras
que ainda não tenham idioma.
Hoje eu desenho o cheiro das árvores.
Não tem altura o silêncio das pedras.
As coisas não querem mais
ser vistas por pessoas razoáveis:
Elas desejam ser olhadas de azul.(Manoel de Barros)

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010


Estamos sempre colados à terra, é
tão raro nos elevarmos! Creio que
poderíamos nos colocar num nível
um pouco superior...
Poderíamos ao
menos subir numa árvore!

(HENRY THOREAU)

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Volúpia Corporal


Foto: Guy Bourdin

"A volúpia corporal é uma vivência dos sentidos, não difere do simples olhar ou da pura sensação de água na boca causada por uma fruta; ela é uma grande experiência, infinita, que nos é dada, um saber do mundo, a plenitude e o brilho de todo saber. Não é ruim o fato de a aceitarmos; ruim é o fato de que quase todos abusam dessa experiência e a desperdiçam, usando-a como um estímulo nos momentos cansados de sua vida, como uma distração, em vez de uma concentração para alcançar pontos mais altos. Os homens converteram até mesmo o ato de comer em uma outra coisa: carência por um lado e excesso por outro. Obscureceram a clareza dessa necessidade; e igualmente obscurecidas se tornaram todas as necessidades profundas e simples nas quais a vida se renova."


.(Rainer Maria Rilke em "Cartas a um jovem poeta")

Precisamos nos aferrar ao que é difícil


"Não se deixe enganar em sua solidão só por que há algo no senhor que deseja sair dela. Justamente esse desejo o ajudará, caso o senhor o utilize com calma e ponderação, como um instrumento para estender sua solidão por um território mais vasto. As pessoas (com auxílio de convenções) resolveram tudo da maneira mais fácil e pelo lado mais fácil da facilidade; contudo é evidente que precisamos nos aferrar ao que é difícil; tudo o que vive se aferra ao difícil, tudo na natureza cresce e se defende a seu modo e se constitui em algo próprio a partir de si, procurando existir a qualquer preço e contra toda resistência. Sabemos muito pouco, mas que temos de nos aferrar ao difícil é uma certeza que não nos abandonará. É bom ser solitário, pois a solidão é difícil; o fato de uma coisa ser difícil tem de ser mais um motivo para fazê-la.


Amar também é bom: pois o amor é difícil. Ter amor, de uma pessoa por outra, talvez seja a coisa mais difícil que nos foi dada, a mais extrema, a derradeira prova e provação, o trabalho para o qual qualquer outro trabalho é apenas uma preparação. Por isso as pessoas jovens, iniciantes em tudo, ainda não podem amar: precisam aprender o amor. Com todo o seu ser, com todas as forças reunidas em seu coração solitário, receoso e acelerado, os jovens precisam aprender a amar. Mas o tempo de aprendizado é sempre um longo período de exclusão, de modo que o amor é por muito tempo, ao longo da vida, solidão, isolamento intenso e profundo para quem ama. A princípio o amor não é nada do que se chama ser absorvido, entregar-se e se unir com outra pessoa. (Pois o que seria uma união do que é esclarecido, do inacabado, do desordenado?) O amor constitui uma oportunidade sublime para o indivíduo amadurecer, tornar-se algo, tornar-se um mundo, tornar-se um mundo para si mesmo por causa de uma outra pessoa; é uma grande exigência para o indivíduo, uma exigência irrestrita, algo que o destaca e o convoca para longe. Apenas neste sentido, como tarefa de trabalhar em si mesmos ("escutar e bater dia e noite"), as pessoas jovens deveriam fazer uso do amor que lhes é dado. A absorção e a entrega e todo tipo de comunhão não para eles (que ainda precisam economizar e acumular por muito tempo); a comunhão é o passo final, talvez uma meta para a qual a vida humana quase não seja o bastante."

(Ranier Maria Rilke em "Cartas a um Jovem Poeta")

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Insônia Paranóia Delirante



Insônia?
Sempre aqui!
No escuro, palavras vibrantes
Sons por entre o ar.
Vontade inquietante atormenta
Era só deitar e apagar,
Agora deito e acendo.
Mais do que em pé.

Parece que o escuro se movimenta, se distorce
Imagens se formam mesmo de olhos fechados, grudadas
Desenhantes nas pálpebras.

O vento acompanha com doses invisíveis
De sons inaudíveis o transcorrer do momento;
Não dormindo.

Ah olhos!
Como queria que vocês pesassem já.

O corpo imóvel, a respiração suave,
De bruços, fresca, não coberta.
pés para fora da cama, cabeça embaixo do travesseiro,
um leve cutucar com o braço;

A troca de posição é inevitável.

Agora coberta, um leve tecido de lado,
com os joelhos semi dobrados.

Cabeça pensante sonhadora em cima de um travesseiro
que mais parece uma montanha,
onde todos são levados para sonhar, ou se jogar,
para tornar o pescoço imóvel, um cabresto pescoçal,
para não olhar mais em várias direções, só a mesma,
o mesmo ângulo, o articulado por eles.

A música que era ouvida através de grandes chiaços
é finalizada brutalmente,
Como se incomodasse o sono dos justos,
aparentemente justos.

Só restou o barulho do fazedor de ventos,
Som até que suave e constante esse,
Não tão atrapalhante, até que acostumável.
E o vazio de uma constância barulhada de dentro da barriga,
Som conversante e acompanhador
de grilos e cigarras que festejam
o arejar molhado depois de uma leve chuva,
esta clássica,
Com sons e imagens celestes,
Sinais divinos para serem decodificados.

Como é gostoso ver outro ser dormir;
quando não se consegue fazer o mesmo;
Ele parece flutuar, estar em outra dimensão,
Calma, límpida, ás vezes movimentada.
Imóvel e em tantos lugares,
Tão, tão selene, docemente inerte,
Mas tão se mexendo,
Que os lugares que visita são incontáveis e atemporais.
Que vontade de pedir uma carona onírica,
Conhecer lugares não aqui, mas lá, além,
Lugares outros diversos existentes
nos universos andantes na qual nos socializamos.
Ir, e voltar quem sabe...

A luz é insistentemente apertada para existir
e iluminar o pequeno que aqui se escreve.

Um: “Tudo bem aí?”
É ressoado ao longe, muito relutante e demorado para acontecer.
E o retorno de bruço existe,
Tão perto, mas tão inalcançável.

As estações de rádio ambulantes na mente não param num ponto exato,
Misturam-se todas fazendo confusão.

Não entender faz parte no enigma
proposto pelos astros cintilantes e abrilhantados
que nos rodeiam sempre acima, seguidos de baixo,
Por aparentes inertes cansados de/por esperar.

Freqüências incolores espiraladas
Barulhantes celestes de ventos sentidos,
Espasmos momentâneos e calores congelados, brisados,
Fazem com que o final se antecipe,
Inesperado e acontecido,
Sem sono, e sem mais palavras.




"Quando você se sentir sozinho, pegue o seu lápis e escreva.
No degrau de uma escada, à beira de uma janela,
no chão do seu quarto.
Escreva no ar, com o dedo na água,
na parede que separa o olhar vazio do outro.
Recolha a lágrima a tempo, antes que ela atravesse
o sorriso e vá pingar pelo queixo.
E quando a ponta dos dedos estiverem úmidas,
pegue as palavras que lhe fizeram
companhia e comece a lavar o escuro da noite,
tanto, tanto, tanto... até que amanheça."

"Quando você vai embora de nós
o pronome parte-se ao meio
você diz que só leva o 's' e o que adianta?
se comigo sobra o nó na garganta."

"A maior dor do vento é não ser colorido."

(Mário Quintana)



"Vem, antes que eu me vá,
antes que seja tarde demais.
Vem, que eu não tenho ninguém
e te quero junto a mim.
Vem, que eu te ensinarei a voar."

"Claro que você não tem culpa, coração,
caímos exatamente na mesma ratoeira,
a única diferença, é que você pensa que pode escapar"

Saudade


"Ai. Saudade é uma coisa azul e amarga
com carne por fora e espinho por dentro."