Significado de Devaneio: 1. Estado de espírito de quem se deixa levar por lembranças, sonhos e imagens; 2. Quimeras, fantasias, ficções.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Parangolé



Se eu não tivesse um conceito de realidade, diria que era sonho.

Seria possível sentir o gosto da felicidade com todos os temperos?

São tantos os sabores, me perco!

Por muito tempo pensei que felicidade e prazeres eram possíveis tão somente em sonhos,

por que em sonho tudo é possível, até mesmo morrer e continuar vivo.

Sonhar tornou-se compulsivo, antes de eu saber que minha realidade era um sonho.

E sonhar com os olhos abertos é muito mais gostoso.

No sonho da realidade a vida vale à pena, tudo é realmente possível.

Acontece, é sentido. “Não há sentido sem palavras nem mundo sem linguagem”

Quanto mais palavras conheço, quanto mais conceitos posso articular, maior é meu mundo,

maior é o alcance e amplitude de minha consciência de realidade.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Imagem - William blake (Ancient of Days)


Tenho a impressão de que a única coisa que nos permite olhar este mundo em que vivemos sem asco é a beleza que, de vez em quando, os homens fazem brotar do caos. Os quadros que pintam, as músicas que compõem, os livros que escrevem e a vida que levam. De todas estas coisas a mais rica em beleza é a vida, quando é bela. É a obra de arte suprema. (W. Somerset Maugham)

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Coisas, coisas

A despeito do amor,
as coisas todas
se fizeram ao mar.
Não quis retê-las.
Não conheci regresso.
Coisas, coisas
vos amei por excesso.
E o universo
me foi alto preço.

Todos os bens
vendidos em leilão.
O ar vendido.
Os rios.
As estações.

Comprei arrobas de chuva
ao meu pomar.
Trouxe neblina
de arrasto
pela morte.

Comprei a noite
e dei o menor lance
ao horizonte.

Coisas, coisas
vos amei por excesso. (Carlos Nejar)

Papai Noel às Avessas

Papai Noel entrou pela porta dos fundos
(no Brasil as chaminés não são praticáveis),
entrou cauteloso que nem marido depois da farra.
Tateando na escuridão torceu o comutador
e a eletricidade bateu nas coisas resignadas,
coisas que continuavam coisas no mistério do Natal.
Papai Noel explorou a cozinha com olhos espertos,
achou um queijo e comeu.

Depois tirou do bolso um cigarro que não quis acender.
Teve medo talvez de pegar fogo nas barbas postiças
(no Brasil os Papai-Noéis são todos de cara raspada)
e avançou pelo corredor branco de luar.
Aquele quarto é o das crianças
Papai entrou compenetrado.

Os meninos dormiam sonhando outros natais muito mais lindos
mas os sapatos deles estavam cheinhos de brinquedos
soldados mulheres elefantes navios
e um presidente de república de celulóide.

Papai Noel agachou-se e recolheu aquilo tudo
no interminável lenço vermelho de alcobaça.
Fez a trouxa e deu o nó, mas apertou tanto
que lá dentro mulheres elefantes soldados presidente brigavam por causa do aperto.

Os pequenos continuavam dormindo.
Longe um galo comunicou o nascimento de Cristo.
Papai Noel voltou de manso para a cozinha,
apagou a luz, saiu pela porta dos fundos.

Na horta, o luar de Natal abençoava os legumes. (Carlos Drummond De Andrade)

Que bobagem falar que é nas grandes

ocasiões que se conhece os amigos!

Nas grandes ocasiões é que não

faltam amigos. Principalmente neste

Brasil de coração mole e escorrendo.

E a compaixão, a piedade, a pena,

se confundem com amizade. Por isso

tenho horror das grande ocasiões.

Prefiro as quartas-feiras. (Mário de Andrade)

sábado, 3 de dezembro de 2011

Imagem - David Cox

São como um cristal
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.
Secretas vêm , cheias de memória.
Inseguras navegam;
barcos ou beijos,
as águas estremecem.
Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas,
verdes paraísos lembram ainda.
Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras? (Eugénio de Andrade)

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Imagem - Ceslovas Cesnakevicius

(Tem vez que a natureza ataca o cisco para o bem.)
Principais elementos do cisco são: gravetos, areia,
cabelos, pregos, trapos, ramos secos, asas de mosca,
grampos, cuspe de aves, etc.
Há outros componentes do cisco, porém de menos
importância.
Depois de completo, o cisco se ajunta, com certa
humildade, em beiras de ralos, em raiz de parede,
ou, depois das enxurradas, em alguma depressão de
terreno.
Mesmo bem rejuntado o cisco produz volumes quase
sempre modestos.
O cisco é infenso a fulgurâncias.
Depois de assentado em lugar próprio, o cisco
produz material de construção para ninhos de
passarinhos.
Ali os pássaros vão buscar raminhos secos, trapos,
asas de mosca
para a feitura de seus ninhos.
O cisco há de ser sempre aglomerado que se iguala
a restos.
Que se iguala a restos a fim de obter a contemplação
dos poetas.
Aliás, Lacan entregava aos poetas a tarefa de
contemplação dos restos.
E Barthes completava: Contemplar os restos é
narcisismo.
Ai de nós!
Porque Narciso é a pátria dos poetas.
Um dia pode ser que o lírio nascido nos monturos
empreste qualidade de beleza ao cisco.
Tudo pode ser.
Até sei de pessoas que propendem a cisco mais do
que a seres humanos. (Manoel de Barros), Tratado geral das coisas do ínfimo.