Me observa como se eu fosse um rio
e sou mesmo esse rio escuro e lamacento
que, águas podres, passa lenta, lenta serpente,
por baixo das pontes,
dos olhos do inseto que me observa,
dos móveis que em vão se arruínam.
Que passa por baixo da calçada
e exala o cheiro dos esgostos vivos.
.
Suas patas, antenas e asas se mexem,
fina engenharia de dobraduras em papel.
Mas ele não é papel,
embora transpareça uma finíssima seda,
a luz que só os insetos possuem,
seja a luz caramelo das baratas,
seja a luz de estrelas mortas dos besouros de
carapaças negras.
Mas o meu inseto,
o inseto que me observa,
tem outra claridade,
tem a luz azulada dos frágeis,
mas ainda assim me mete medo.
Da extremidade da minha cama,
do alto da ponte,
da lâmpada em que adeja,
ameaça.
Me ameaça.
Desenha em mim mapas com seus
olhinhos astutos.
Vai medindo meu corpo, como um soldado.
.
( ... )(Micheliny Verunschk) - "O Observador e o Nada".
Nenhum comentário:
Postar um comentário